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terça-feira, 23 de agosto de 2011

O esporte por ele mesmo


Durante a transmissão de uma partida de futebol é comum escutar comentaristas e narradores falando sobre atletas que saem de seu país de origem para atuar em clubes do exterior. Os motivos são diversos, mas quando se fala no esporte mais popular do mundo, geralmente passa pelo aspecto financeiro da questão. Em outras modalidades essas circunstâncias variam desde a concorrência nos grandes clubes e seleções, até o excesso de talento, quando se pertence a uma nação que peca pela falta de oportunidade e incentivo. Afinal, essa mudança é vantajosa tanto para o atleta, pelos benefícios e estrutura da qual poderá usufruir, quanto para o clube, que irá contar com um esportista de qualidade. Alguns são contra e outros a favor dessa importação de talentos. Já os que pensam que esse é um problema distante, homérico em suas proporções, enganam-se. Ele está presente no nosso dia a dia, na própria cidade de Arujá.

É claro que atletas profissionais são atletas profissionais, e clubes milionários também o são. Mas guardadas as dimensões, aqui ocorre algo parecido. Esportistas locais, muitos possuidores de grande talento, acabam atuando por outras cidades pela falta de elementos mínimos, como incentivo, infraestrutura e apoio do poder municipal. São, em sua maioria, jovens que amparados por seu talento tem a chance de buscar em outros municípios um pequeno apoio, que muitas vezes não passa de melhores locais para a prática de sua modalidade favorita, um transporte para alguma competição ou a chance de disputar um campeonato oficial.

É o que aponta Laércio de Mattos Prado, 20 anos, eleito no ano de 2005 o melhor atleta de malha do estado de São Paulo: “A primeira coisa que me afastou de Arujá foi a falta de estrutura para a prática esportiva. Em 2002, quando comecei a jogar com meu pai, não tínhamos aqui um campo oficial. Como eu adquiri gosto pela coisa, procurei campeonatos e campos de qualidade para poder continuar no esporte. A cidade não ofereceu nem um, nem outro, e acabei indo buscar isso fora”, explica o atual atleta da equipe de Suzano, que possui remuneração mensal e bolsa de estudos em uma universidade particular de São Paulo por atuar pela cidade na qual se sagrou campeão dos Jogos Abertos e do Campeonato Estadual de Malha em 2008.

Infelizmente o problema não está apenas no nível de competição. No esporte amador, protagonista das ferramentas da sociedade na boa formação do cidadão, as consequências dessa carência de estrutura, sentida não apenas na malha, mas em grande parte das modalidades praticadas no município, ressoam de forma muito mais grave. É a tese que sustenta a educadora e advogada Cybele Meyer, doutora em Psicopedagogia e docente de pós-graduação na Faculdade Internacional de Curitiba (Facinter): “É fácil concluir que, principalmente no amadorismo, a falta da estrutura e incentivo gera um prejuízo imenso para a sociedade, pois a não prática tolhe o desenvolvimento integral do indivíduo de forma harmoniosa e sadia, fazendo-o despertar tardiamente para a cidadania e assim, deixando de formar pessoas de bem”, cita em artigo.

Completando mais de um ano e meio à frente da pasta, o secretário de esportes Leandro Larini compreende a necessidade de melhorias para o município, e afirma que o trabalho, principalmente com os jovens, está sendo feito: “O projeto de base vem sendo seguido. Hoje, temos mais professores, mais funcionários, mais aparelhos esportivos em condições de uso e mais materiais esportivos. Isso tudo para dar apoio aos jovens de Arujá”, explica. Segundo o secretário, desde sua chegada a administração, muito se evoluiu, mas ainda existem medidas importantes que não podem ficar para trás: “Temos hoje, atividades dos 5 aos 17 anos de idade. Temos um time infantil de vôlei, um time infantil de basquete e um time infantil de futsal, que acompanham o atleta quase até a maioridade. Daí em diante, a secretaria tenta apoiar, apresentando os de real talento para algumas equipes profissionais. O nosso apoio só consegue ir até ai. Nós não conseguimos montar ainda um programa que dê o próximo passo”, finaliza.

Apesar de todos as dificuldades, ainda existem grandes atletas que surgem na cidade. É o caso de William Bersani da Costa, 26 anos, jogador do Narbonne, time profissional da Liga Francesa de Vôlei. Bersani cresceu na modalidade jogando pela Escola Estadual Esli Garcia Diniz, descoberto pelo professor Paulo “Japonês” Miyamoto, o Jô. Logo seu talento aliado a falta de estrutura local o levou de Arujá para Guarulhos, onde ganhou uma bolsa de estudos em um colégio particular e a chance de competir em campeonatos da federação paulista da modalidade. Hoje, esportista profissional e notório pelas várias convocações para as seleções brasileiras de base, ele vê aqui o mesmo potencial do passado: “Em Arujá ainda tem muito material humano, eu sempre disse isso. É preciso aproveitá-lo. Falta um projeto para os jovens terem um caminho a seguir, como profissionais e cidadãos. Temos valores para montar times de alto nível em muitas modalidades, é necessária uma iniciativa política”, afirma.

Muito além da perda de atletas para outras cidades, a falta de uma estrutura básica acaba com os sonhos de muitos jovens, que tem seu talento podado pela escassez de ensejos. Para Jorge Melecsevics, 51 anos, principal incentivador de uma das modalidades mais premiadas de Arujá na história dos Jogos Regionais, o xadrez, esse é um problema antigo: “Desde que comecei a trabalhar com o esporte na cidade, o apoio para o desenvolvimento de atletas sempre faltou e, em certos casos, continua faltando, apesar de ter melhorado em certas questões... Por exemplo, o futebol é o vício, está no sangue. As outras modalidades não. E, por mais precário que seja esse apoio, ele existe no futebol. É esse pequeno incentivo que falta para os demais atletas e esportes crescerem. Não se consegue espaço para a prática. Não se consegue um incentivo facilmente. Nos últimos anos faltou um apoio da administração para abrir portas com a iniciativa privada... Todo município pequeno vive a mesma ignorância. Alegam falta de receitas, alegam falta de apoio. Mas, na verdade, acaba é faltando um pouco de interesse”, raciocina.

Tudo isso culmina com a necessidade do cidadão precisar buscar, por seus próprios meios, a chance de praticar sua atividade favorita. Isso acaba colaborando para afastar os atletas da cidade, e os jovens do caminho certo. Para Cybele, é através da prática esportiva que promovemos a socialização e olhamos pelo futuro do indivíduo, por isso ela deve ser tão resguardada: “A rotina, o cumprimento de regras, o respeito, a persistência, o saber competir, o aguardar a sua vez, o romper limites, o saber ganhar, o saber perder e muitos outros quesitos vem junto com o esporte. O esporte é uma fonte inesgotável de conceitos éticos e morais fundamentais para a construção da sociedade e do futuro”, conclui.

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